Uma Contínua Transformação

Casa de Cultura Laura Alvim, Rio de Janeiro
Exposição: de 8 de fevereiro a 31 de março de 2019


“Sou muito grata… Somos eternos devedores das nossas árvores; pela água, pela madeira, pelo ar. O nosso poder de transmutação é incrível, como os camaleões na metamorfose da cor, tudo em função da sobrevivência! Nos reflexos, podemos até olhar para o passado, mas temos que focar na luz, no futuro. O passado pode nos guiar, mas não nos definir. Vamos descobrir que a luz não está no fim do túnel, somos luz!

Vejo natureza e amor em todos os elementos das minhas obras. A criatividade me permeia tranquilamente e, com isso, escuto minha voz interna: o que pensamos, criamos; e o que sentimos, atraímos! Respeito o DNA do material; faz parte da performance mudar, como o camaleão, em constante movimento da cor. Não há como saber do amanhã; o nosso presente é uma plena asfixia do aqui e agora: o mergulho para uma nova vida!

Desde sempre pensava em me modificar e, hoje, digo que sim, me transformei. Renasci para o meu melhor, cresci, foquei no que realmente tem valor. O significado nos transforma, nos faz enxergar de uma maneira diferente e isso é revolucionário. Esse é o poder de transformação.”

Renata Adler


Quem entra na Casa de Cultura Laura Alvim é confrontado com os últimos Camaleões da escultora Renata Adler, nesta exposição individual da nova artista carioca. Mas aqui ela não quer realmente falar de um animal acrobata que tem um olho capaz de observar o chão enquanto o outro olha para o alto, uma língua que avança qual uma mola para capturar um inseto e uma proverbial facilidade para mudar de cor. Sua exposição vai mais longe e se intitula “Uma Contínua Transformação”.

Seus “camaleões” são esculturas de finas colunas de madeira torneada que recebem diferentes formas redondas e planas e são pintadas em partes. Por vezes, aparecem elementos metálicos ou pequenos espelhos que vêm contrariar a verticalidade da obra. Elas surgem do chão, caem em chuva do teto ou parecem perfurar os muros, lembrando o ritmo das lanças que podemos observar na obra A Batalha de San Romano, que Paolo Uccello pintou por volta de 1456. Os “camaleões” de Renata compõem, pelas paralelas, perpendiculares e oblíquas que formam em sua apresentação, uma construção de retas cujo ponto de fuga desaparece à vista do espectador, imergindo-o nesta exposição-instalação. O conjunto vibra num ambiente geral branco, das janelas que nos mergulham na energia da praia de Ipanema às salas escuras que incitam o público a se concentrar nas esculturas e no vídeo projetado sobre uma parede de tecidos de bronze.

As transformações que Renata Adler propõe aqui fazem parte de suas interrogações artísticas e filosóficas: movimento, mudança, integração e sincronização, com todos os riscos e incertezas que este tipo de trabalho produz. O movimento tem um lugar essencial na ontologia aristotélica que a inspira, pois é através do movimento que o filósofo será levado a reconhecer “a diversidade das acepções do ser”. Para os primeiros gregos, o movimento era por excelência o fluxo, o indefinido, o ilimitado… um caos insondável.

Observando as obras da artista, não podemos aliás deixar de pensar também nos lingans. Para mergulharmos novamente nos símbolos, e particularmente naqueles ligados à cultura indiana, o lingam, sempre armado e, portanto, potencialmente criador, é frequentemente associado ao yoni (“lugar”), símbolo da deusa Shakti e da energia feminina. Neste caso, sua união representa, à imagem de Shiva, a totalidade do mundo. Assumindo as funções criadoras pelo lingam e a função destruidora tradicional, Shiva representa, assim, o Deus por excelência. Renata esclarece: “Tudo é uma questão de transformação para mim. Nos meus ‘camaleões’, ouso evocar livremente a Anima e o Animus de que fala Carl Gustav Jung em sua obra Eu e o inconsciente. Como artista, como mulher, falo aqui do meu lado masculino e do meu prazer ao me confrontar com um trabalho físico de escultor, ainda que, no resultado final, minha obra, com suas madeiras torneadas e roliças, sublinhadas por anéis pintados com cores, seja francamente feminina.”

Renata Adler nos leva bem longe em seu jogo de transformações, e o mito de Prometeu poderia ser também uma alegoria para este trabalho. De fato, nele figuram as duas dimensões inseparáveis da condição humana: a da conquista e aventura de um homem que traça seu próprio caminho, mas também a do medo ancestral de transgredir o proibido, querendo rivalizar com os deuses. Na verdade, podemos constatar que esta tensão permanente entre uma liberdade sem limites à glória do homem e o apego a uma natureza que fixa suas próprias fronteiras está presente na cultura humanista, donde a dificuldade de reconhecer estes limites… Mas o medo de hoje está, de um lado, no poder científico e tecnológico impressionante, e, de outro, no que se convencionou chamar de “crise do futuro”, isto é, a dificuldade de pensar um mundo cada vez mais incerto, onde a referência à ideologia do progresso contínuo está longe de ser óbvia. As obras de Renata Adler apresentadas na Casa de Cultura Laura Alvim, portanto, convidam o público a pensar um mundo em perpétua transformação.

Marc Pottier
Curador


O Percurso dos Planetas

Duas exposições no Rio de Janeiro
Galeria M do Hotel Santa Teresa de 17 de agosto a 16 de outubro de 2017
Parque das Ruínas de 2 a 25 de setembro de 2017


Não é por acaso que no seu trabalho, Renata tenta se apropriar da fórmula do famoso químico e filósofo francês do século XVIII Lavoisier, frequentemente apresentado como o pai da química moderna: “Nada se perde, tudo se transforma”.

Isto porque uma das mais importantes pesquisas de Lavoisier foi determinar a natureza do fenômeno de combustão ou de oxidação rápida. O que interessa à Renata é justamente a energia da reação das matérias. Nas suas esculturas em ferro ou outros materiais existe a provocação do estado da matéria e contribuições às revoluções químicas, por vezes técnicas, experimentais e epistemológicas. Sem hesitar ela costuma utilizar elementos incomuns, como por exemplo, o café, que assim acrescentam uma outra dimensão sensorial. Se na obra “Mundos Entrelaçados” ela optou por não agir nos materiais utilizados, deixando-os se transformar sem nenhuma interferência, já nos “Planetas”, ao contrário, pinta sobre eles delicadas paisagens coloridas que irão evoluir ao longo do tempo. Existe a vontade de falar de “impressões” mesmo que suas obras não sejam impressionistas no sentido da palavra. Isto porque, além deste diálogo entre a matéria e a pintura, ela ama também a luz. Ela está presente nos “Planetas” através de leds discretamente colocados atrás das placas trabalhadas. Inspira-se enormemente numa crítica à obra de Claude Monet que dizia: “Claude pintava o que ele via. Se havia vento, ele colocava vento nos seus quadros”. Ela tenta introduzir o cosmos.

Foi justamente este trabalho sobre as energias das matérias que me chamou a atenção quando, dentro do meu hábito de visitar ateliers, eu descobri o trabalho desta artista que surge agora com uma primeira exposição de seus trabalhos.

Renata flerta com o mundo da arte desde a mais tenra infância. Sempre amou pintar, fotografar, inclusive revelando ela mesma as fotos, mas acabou sendo atraída pela escultura. Desde sempre o sistema solar a fascinou. Esta é a razão pela qual a exposição “O Percurso dos Planetas” fala de uma experiência de vida que não é de hoje. Acho que é interessante observar quando ela enfatiza “minha cabeça parece estar nas estrelas, por outro lado, meus pés estão bem fincados na terra”. A palavra cosmos vem do Latim “cosmos” (mundo) e que por sua vez vem do grego antigo “kósmos” (ordem, ordenado). E por extensão significa ordem do Universo. Os planetas, as galáxias e as estrelas de suas obras, não falam apenas de tudo que existe. Tentam propor na verdade uma filosofia que evoca um Universo como um sistema bem organizado. Numa época na qual as novas gerações estão curvadas com os olhos colados nas telas , ela gostaria de convida-los a erguer a cabeça e olhar para um céu que muitos de nós negligenciamos a existência. Quer oferecer uma viagem que vincula as energias da terra. Do riacho que passava pela casa da sua infância, retirava suas inspirações das margens trabalhadas pela natureza. O pequeno mundo microcósmico do Homem e das matérias vivas que utiliza em suas obras, face a face a este Universo macrocósmico é o que ela tenta propor.

Segundo Renata: “Para mim tudo é uma questão de energia e faço referência constantemente aos “chakras”. Se hoje em dia esta palavra é mais conhecida por significar pontos de convergência de canais energéticos, na verdade ela vem do sânscrito e se refere a objetos em forma de disco, entre os quais o sol. No passado, na Índia, eram discos de metais, entre eles, ouro, cobre ou ferro, materiais que gosto de utilizar. Os principais chakras são associados a cores e quando me questiono, vem logo em primeiro lugar o verde, símbolo do coração que bate, o ar e o mistério. Assim meio que inconscientemente, exponho este cordão umbilical de minha obra que liga a vida do Homem aos mistérios do Cosmos”.

As cores são importantíssimas para ela. Como dizia Kandinsky: “As cores são as teclas, os olhos são os martelos e a alma é o piano com suas cordas”. As formas e as cores não são o resultado de simples associações de ideias arbitrárias, mas sim de uma experiência interior que nas suas pinturas abstratas remetem aos sentidos. Costuma trabalhar sobre formas que foram previamente desenhadas e sobre as quais acrescenta as cores, observando o seu efeito subjetivo. Deixa as formas e as cores interagirem na sua própria alquimia. Não tem a pretensão de dizer que se tratam de observações científicas ou objetivas, mas sim de observações totalmente subjetivas e puramente fenomenológicas.

Como Renata diz, “Tudo é uma questão de transformação”. Nos seus “Camaleões”, ousa evocar livremente a ”Anima e Animus” de que fala Carl Gustav Jung em sua obra “Eu e o Inconsciente”. Como artista, como mulher, fala aqui do seu lado masculino e de seu prazer de confronto com um trabalho físico de escultor, mesmo se no resultado final de sua obra com suas madeiras torneadas e roliças, sublinhadas por anéis de cores pintados, seja francamente feminina.

Mas por trás das obras de Renata, as transformações de que gosta de falar, são essas ligações entre a terra do Homem e o infinito do Universo, onde existem as questões fundamentais que todos nós nos colocamos. Neste vasto processo de desencanto aparente do mundo onde a Humanidade não é nem mais o centro, nem a finalidade, nem mesmo uma espécie privilegiada no topo da evolução, quais são as relações entre a Natureza/Humanidade que podemos esperar? Estamos diante de um Universo absurdo, como proclama o existencialismo de Sartre ou aguardando o final uma crise de mutação cósmica, talvez necessária, que dará nascimento a uma nova relação positiva entre o Universo e a Humanidade? E se a queda de nossas ilusões humanas, tão excessivas, servirem para nos reaproximar da realidade e fundar uma relação enriquecedora com a natureza e a imensidão do Cosmos?

Marc Pottier